Ridícula, Eu?!
Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido
campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e
arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho
calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu,
que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que,
quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do
soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu
verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato
ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles
príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um
pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma
cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste
largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus
irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?
Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas
ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como
posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil,
literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.
Poema em linha reta - Fernando Pessoa
(Álvaro de Campos)
Comentários
Postar um comentário